Num planeta onde pixels valem bilhões e avatares movimentam mais dinheiro que estrelas de cinema, estar no mercado de games é mais que um hobby, é uma posição estratégica. Países inteiros disputam espaço nesse tabuleiro. Investem, fomentam, exportam. E o Brasil? Bom, estamos no jogo, mas ainda não estamos com o controle nas mãos.

Crescemos? Sim, aparecemos em premiações. Temos estúdios talentosos, mas quando olhamos para o mercado global de games com um pouco mais de frieza e menos ufanismo, a pergunta real é: onde exatamente o Brasil se posiciona nessa indústria?

Somos potência emergente ou figurante periférico? Temos uma indústria ou um conjunto de iniciativas isoladas? E o mais importante: o que ainda falta para jogarmos como protagonistas e não só como consumidores ou talentos terceirizados?

Em 2023, o Brasil ocupava o 10º lugar no ranking global de receita com jogos digitais, segundo a Newzoo. Um mercado interno estimado em mais de US 2,6 bilhões, com mais de 100 milhões de jogadores ativos.

Esses números impressionam. Mas têm um detalhe incômodo: somos um dos maiores consumidores de jogos mas não necessariamente produtores. A grande fatia dessa receita vai para empresas estrangeiras. Jogamos FIFA, Fortnite, Free Fire, Call of Duty, GTA, League of Legends, mas quantos jogos brasileiros atingem esse mesmo impacto (ou pelo mesmo uma fração)?

O que temos, de fato, é uma base gigantesca de jogadores, apaixonados e engajados e uma cena de produção que, embora vibrante e talentosa, ainda luta com obstáculos estruturais.

A boa notícia é que talento não nos falta. Estúdios como ARVORE, Aquiris (agora parte da Epic Games), JoyMasher, Behold Studios, PUGA, entre outros, provaram que dá pra fazer jogos de altíssima qualidade a partir do Brasil, com estética própria, mecânicas inteligentes e reconhecimento internacional.

Mas o salto de qualidade individual para estrutura coletiva ainda não aconteceu. A maioria dos estúdios nacionais opera no limite, com equipes pequenas, recursos apertados, prazos insanos. É quase um ato de heroísmo desenvolver um jogo no Brasil.

As dificuldades são imensas: falta de financiamento consistente, pouca inserção em mercados internacionais, burocracia para abrir e manter estúdios (afinal aqui é o Brasil), falta de políticas públicas duradouras, voltadas à economia criativa digital, além de um preconceito persistente, que ainda paira sobre o jogo como coisa de criança.

Isso sem contar a precarização estrutural que leva muitos dos nossos talentos a migrarem para o exterior ou atuarem como freelancers para empresas de fora, onde o reconhecimento e o pagamento são mais consistentes.

Apesar de tudo, alguns avanços importantes merecem destaque: o BIG Festival se consolidou (aos trancos e barrancos) como um evento importante de games independentes da América Latina, trazendo olhares internacionais para o Brasil. Algumas universidades e cursos técnicos já oferecem formação específica em desenvolvimento de jogos — ainda que de forma desigual pelo país. Empresas brasileiras começam a entender o jogo como mídia e ferramenta educativa, o que amplia o leque de atuação para além do entretenimento. O debate sobre o jogo como expressão cultural também cresceu, abrindo espaço para editais de cultura digital e políticas públicas específicas.

Esses pontos indicam que estamos andando. Mas a pergunta é: estamos andando pra onde?

Se quisermos subir de fase no mercado global, precisamos mais do que talento. Precisamos de estrutura estratégica e visão de longo prazo.

E para isso alguns pontos são urgentes: incentivo fiscal real para produção nacional (tal como acontece no cinema e na música). Distribuição internacional estruturada, com apoio para localização, pitching e entrada em plataformas. Fomento a estúdios de médio porte, capazes de crescer sem precisar ser comprados por gigantes estrangeiros. Criação de polos regionais de desenvolvimento, descentralizando o eixo Rio-SP. Inserção do jogo no currículo básico e universitário, não só como disciplina técnica, mas como linguagem artística e social; Crítica especializada nacional mais forte, que analise os jogos brasileiros com rigor e contexto, e não só com hype.

Tudo isso exige coordenação entre governo, iniciativa privada, academia e criadores. Exige deixar de ver o jogo como produto isolado e passar a enxergá-lo como parte de uma cadeia produtiva completa, da formação à distribuição.

Por fim, há uma questão de mentalidade. Muitos criadores ainda pensam pequeno. Não por falta de ambição, mas por excesso de sobrevivência. O ciclo é claro: faz-se um jogo pequeno, vende pouco, volta-se ao freela, e o ciclo recomeça.

Para quebrar esse padrão, é preciso pensar como indústria, não só como paixão. Isso não significa vender a alma ao mercado, mas entender que profissionalizar não é perder essência mas dar sustentabilidade à criação.

E isso vale também para o público. Jogadores brasileiros muitas vezes desconfiam de jogos nacionais, como se a qualidade viesse só de fora. Esse olhar precisa mudar, com crítica, com informação e com acesso. As iniciativas de brasileiros precisam de mais (muito mais) apoio, divulgação e principalmente resultados expressivos nas comunidades ou nichos temáticos.

O Brasil tem todas as condições para ser mais um protagonista no mercado global de games. Temos público, temos criadores, temos ideias. Mas ainda faltam estrutura, políticas, investimento e visão coletiva.

Por enquanto, somos uma potência em potencial. Um jogador talentoso que ainda está no banco de reserva. Mas a partida segue, e a próxima fase exige preparo.

A pergunta é: vamos continuar jogando com as regras dos outros ou criar nosso próprio jogo?

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