Vivemos em um tempo curioso. Se antes a televisão era a grande janela para o mundo e o videogame um brinquedo caro relegado a alguns cantos da casa, hoje esses papéis se misturam num emaranhado de telas, notificações e interações que parecem competir entre si por um recurso escasso: a nossa atenção. É quase um clichê dizer que vivemos na “economia da atenção”, mas talvez nunca tenha sido tão verdadeira essa afirmação.
As redes sociais se consolidaram como o palco central dessa disputa. O feed infinito do TikTok ou do Instagram é um exemplo quase cruel de design voltado a capturar microfatias do nosso tempo. Cada gesto, cada deslizar de dedo, é um convite a permanecer mais alguns segundos. Segundos que, somados, viram horas. Esse hábito molda não apenas como nos relacionamos, mas também como pensamos o que é entretenimento.
E onde entram os games nesse cenário? Bem, se quisermos que nossos jogos indie ou AAA tenham relevância, precisamos reconhecer que essa disputa pela atenção impacta diretamente na forma como projetamos narrativas, mecânicas e experiências. As novas gerações já não encaram um jogo como algo isolado, mas como parte de um ecossistema maior: o jogo precisa dialogar com o celular, com a timeline, com o vídeo curto de gameplay, com o clipe no YouTube, com a live no Twitch. Em resumo, precisa se espalhar.
É aqui que a inteligência artificial entra na conversa. Se as redes sociais moldam a forma como consumimos, a IA está moldando a forma como produzimos. Ferramentas de geração de texto, imagens e até código já estão presentes em diferentes etapas do desenvolvimento de jogos. E isso muda radicalmente o tempo de produção e a capacidade de resposta às demandas desse público fragmentado. Não é à toa que vemos protótipos surgindo em questão de dias, muitas vezes testando ideias baseadas em tendências do momento, memes, eventos, sons virais.
Atenção fragmentada significa também narrativas fragmentadas. A linearidade clássica dos jogos de outrora, aquele “começo, meio e fim”, tem perdido espaço para experiências episódicas, roguelikes ou narrativas emergentes que se moldam à interação do jogador. Em paralelo, o multiplayer online ganha força não apenas como mecânica, mas como espaço social. Afinal, para muitos adolescentes, estar no Fortnite ou no Roblox é menos sobre jogar e mais sobre “estar junto”, reproduzindo no ambiente digital a lógica da praça, do shopping, da esquina.
Outro ponto crucial é a forma como os equipamentos estão se hibridizando. Computador, videogame, televisão e celular já não são entidades separadas, mas interfaces diferentes de um mesmo fluxo. O jovem que joga no console muitas vezes assiste a vídeos do mesmo jogo no celular e comenta sobre ele em grupos de mensagem. O jogo deixa de ser apenas software para se tornar experiência transmidiática, vivida simultaneamente em várias telas.
Tudo isso importa porque, como desenvolvedores, não projetamos apenas mecânicas: projetamos tempo de vida. Ao criar um game, precisamos considerar se ele será consumido em sessões curtas ou longas, se se presta a virar clipe de 15 segundos ou se depende de imersão total, se terá conteúdo gerável pela comunidade ou se ficará restrito à nossa narrativa autoral. Ignorar essas questões é como escrever um livro hoje sem pensar que ele provavelmente será lido mais no Kindle ou no celular do que em papel.
Claro que isso não significa que devemos sucumbir ao imediatismo e fazer apenas jogos de “pílula rápida”. Há espaço para obras densas, longas e contemplativas. Mas mesmo elas precisam dialogar com o novo contexto: talvez oferecendo checkpoints mais amigáveis, talvez integrando recursos de compartilhamento, talvez aceitando que seu público mais fiel virá de um nicho disposto a mergulhar fundo, enquanto a massa se distrai em outro canto.
O ponto é: nossa atenção é o verdadeiro campo de batalha do entretenimento moderno. E, como bons pistoleiros desse velho oeste digital, precisamos mirar com cuidado. O futuro dos jogos não depende apenas da tecnologia ou da genialidade de uma ideia, mas da capacidade de entender para onde estão olhando os olhos de quem queremos encantar.