O Brasil vive um momento de forte tensão entre liberdade de expressão e tentativas de regulação de conteúdo. Projetos como o chamado PL das Fake News e novas discussões sobre “proteção das crianças na internet” têm sido usados como justificativa para ampliar o poder de regulação do Estado e até de plataformas privadas.
No meio disso tudo, a polarização política cria um campo fértil para medidas de controle, já que vários segmentos da sociedade defendem restrições de conteúdo, cada um com suas justificativas e interesses específicos (quase sempre visando o bem comum apenas no discurso).
Os desenvolvedores independentes talvez não tenham percebido, mas estão assistindo a um ensaio geral. O que acontece com as redes sociais é o mesmo roteiro que pode se aplicar aos games: primeiro vêm os casos extremos (fake news, discurso de ódio, pornografia infantil). Depois, com as ferramentas já legitimadas, qualquer conteúdo passa a estar ao alcance do filtro. Basta uma polêmica bem escolhida para justificar a tesoura.
E é aqui que mora o detalhe perverso: não será uma lei explícita dizendo “é proibido fazer jogo com tema político” ou “banido qualquer conteúdo erótico”. A censura moderna é indireta e, portanto, mais difícil de combater.
Se você acha exagero, veja os sinais. O caminho provável é a soma de várias pressões:
Classificação indicativa sufocante: o jogo não é proibido, mas leva uma tarja tão restritiva que praticamente some das lojas.
Controle pelos meios de pagamento: se Visa ou Mastercard decidirem que não querem se associar a “conteúdos controversos”, o desenvolvedor fica sem como receber por seu trabalho (o que de certa forma já está acontecendo).
Responsabilização das plataformas: Steam, Epic, App Store e Google Play já são seletivas, mas podem apertar o cerco, obrigadas por lei, por pressão política ou mesmo auto censura, barrando qualquer título que ameace virar manchete.
Leis sob o manto da proteção infantil: esse argumento, repetido até a exaustão, vira um passe livre para eliminar qualquer conteúdo que escape do padrão “seguro para todos”.
No fim, a censura não virá como um golpe único, mas como um cercar silencioso, que aos poucos vai limitando o espaço criativo.
Games são hoje uma das linguagens culturais mais fortes entre as novas gerações. São espaço de expressão, debate, criação de mundos e identidades. Limitar os jogos é limitar a própria forma como a juventude pensa e interage com tecnologia. Não é só o mercado indie que perde, mas o próprio país, que se apequena ao tratar o jogo apenas como ameaça, nunca como potência cultural.
Se a censura aos desenvolvedores de games é uma questão de tempo e de forma, cabe a nós, criadores e jogadores, pensar agora: vamos esperar o cerco se fechar ou vamos construir alternativas antes disso? Porque quando baterem à porta, não será com correntes e cadeados, mas com classificações, termos de uso e bloqueios de pagamento. Mais sutis, mais modernos e igualmente sufocantes.
E já que chegamos até aqui, aproveitei a oportunidade e perguntei ao chat GPT quais medidas poderiam ser adotadas a partir de agora, dentro deste cenário. Segue a resposta:
Diversificação de Plataformas: não dependa de uma única loja ou marketplace. Se hoje sua presença está apenas na Steam, pense em alternativas como Itch.io, Epic Games Store, lojas regionais e até a venda direta no seu próprio site. Quanto mais pulverizada sua presença, menor o impacto de um eventual bloqueio.
Formas alternativas de pagamento: se o cerco financeiro vier por Visa, Mastercard e afins, considere outras soluções, como pagamentos via Pix, carteiras digitais como PayPal, Mercado Pago ou até soluções emergentes com criptomoedas. Plataformas de assinatura ou crowdfunding recorrente (Patreon, Apoia.se, Catarse). Se o dinheiro não consegue circular, o jogo deixa de existir como produto.
Comunidade como escudo: a maior arma contra a censura não é técnica, é social. Desenvolvedores que cultivam comunidades ativas em Discord, Telegram, X ou fóruns próprios conseguem não apenas se defender de ataques narrativos (“seu jogo é perigoso”), mas também criar canais diretos de distribuição. Um jogo pode ser derrubado de uma loja, mas se os jogadores estiverem engajados, encontram o caminho para obtê-lo.
Narrativas inteligentes: não se trata de se autocensurar, mas sim de ser estrategicamente criativo. Um jogo pode abordar violência, política ou críticas sociais de formas simbólicas, metafóricas ou artísticas. Assim, ele transmite sua mensagem sem cair diretamente em classificações simplistas de conteúdo perigoso.
Internacionalização: a censura, em muitos casos, é regional. Desenvolvedores que localizam seus jogos para outros idiomas e os divulgam em países com legislação mais estável ampliam sua resiliência. Um game bloqueado em um país pode florescer em outro.
Engajamento político: por mais cansativo que pareça, ignorar a política é dar carta branca para que ela decida sozinha. Organizações de desenvolvedores, associações e coletivos precisam pressionar por legislação clara e justa que proteja a produção cultural digital. Sem articulação, ficamos sempre no papel de vítimas e cabe ao desenvolvedor pressionar começando pela sua associação.
Pra falar a verdade, nem precisava ter perguntado isso ao GPT. Décadas de mercado tem me mostrado que esses cuidados devem ser levados em consideração sempre. Nunca se sabe que plano miraculoso bolorento nos espera alí adiante, ao virar a próxima esquina. Já tivemos exemplos vívidos disso toda vez que alguém tentou imputar uma atitude violenta à influência de um determinado game.
Porém, uma coisa que mete mais medo que regulação, leis, pressões, etc é a simples proibição de se expressar, por antecipação. Se você ainda não viu isso acontecer nas redes sociais, tome muito cuidado pois o próximo alvo pode ser você.