O relógio marca 48 horas. O grupo está super atento, debatendo nomes. Alguém criou um personagem com um olho só e um braço que atira torradas. A música foi feita em 15 minutos. A história é um caos adorável. O protótipo funciona (quase). É feio, bugado, mas jogável. E principalmente: tem alma. É engraçado. É estranho. É nosso.
Assim nascem centenas, milhares de jogos em game jams ao redor do mundo. Pequenas explosões criativas, concentradas em poucos dias, onde regras, temas e restrições se transformam em combustível para ideias malucas. Um campo fértil para a experimentação e também para frustrações.
Porque quando as 48 horas terminam, o link do jogo é postado, os likes vêm, os amigos aplaudem e depois tudo silencia.
O que era entusiasmo vira inércia. O que era “vamos transformar isso num jogo de verdade!” vira uma pasta esquecida no HD.
E então surge a pergunta: por que tão poucos protótipos viram jogos completos? Mais importante ainda: como transformar uma boa ideia nascida em uma jam em um produto viável, sem matar a paixão que o originou?
Todo protótipo é um recorte. Um recorte do que poderia ser. Um vislumbre. Como o esboço de um quadro, ou o riff inicial de uma canção. Mas enquanto o protótipo se alimenta de velocidade, improviso e leveza, o produto exige o oposto: persistência, repetição, polimento.
Esse salto exige não apenas tempo, mas disciplina. E aí está o primeiro obstáculo: boa parte dos criadores que participam de jams está em início de carreira, são estudantes, freelancers, autodidatas. Têm energia criativa, mas pouca estrutura de produção.
Faltam ferramentas de planejamento, experiência com escopo, noção de marketing, entendimento legal. E, claro, falta dinheiro.
Logo, muitos grupos percebem que levar o jogo adiante exigiria um cronograma de meses, uma equipe estável, custos (mesmo que baixos), e um comprometimento que não cabe na rotina de quem já está sobrecarregado com faculdade, trabalho, ou ambos.
Resultado: a ideia morre no colo da realidade. O arquivo fica lá, com nome estranho e versão final chamada “final\FINAL\de_verdade\”.
Outro fator que trava a transição de protótipo para jogo é o perfeccionismo paralisante. Depois da jam, quando a empolgação passa, entra a autocrítica: não tá bom o suficiente, ninguém vai comprar isso, precisa refazer tudo.
É verdade que transformar uma jam em produto exige retrabalho, mas o medo de não alcançar um ideal acaba sufocando a continuidade. O jogo deixa de ser divertido e vira cobrança. O prazer vira fardo.
E isso se agrava por culpa de outro elemento tóxico: o mito do sucesso indie. A ideia de que se você insistir na sua ideia genial, ela será descoberta, viralizará, será comprada por uma grande produtora e você virará matéria na IGN.
O problema? Para cada jogo de sucesso há milhares de protótipos enterrados. E esse mito não conta que os criadores do mais recente game top ficaram quatro anos trancados desenvolvendo tudo na base do possível, vivendo com pouco e enfrentando crises mentais.
Ou seja: o sucesso existe, mas é exceção. E tentar transformar todo protótipo em fenômeno é a receita perfeita para frustração.
Então o que fazer? Desistir? Deixar os protótipos no limbo? Não. Mas talvez seja preciso mudar o jogo. Jogar de outra forma. Aqui vão algumas observações que podem ajudar:
Prototipar sim, mas com propósito.
Se você já entra numa jam com a ideia de transformar o jogo em produto depois, pense desde o começo em mecânicas reaproveitáveis. Foque em ideias pequenas, com potencial de expansão. Faça algo que possa crescer modularmente, sem exigir reinvenção completa depois.
Testar o jogo, não só mostrar.
Muita gente publica o protótipo e espera views. Mas o mais valioso é o feedback real. Observe quem joga. Veja onde desistem, onde riem, onde ficam confusos. Um bom protótipo é aquele que comunica uma ideia clara e que pode ser expandida com base nas reações.
Escolher é paixão ou é projeto?
Nem todo jogo precisa virar produto. Às vezes, é só uma jam divertida. E tudo bem. Mas se o grupo decidir seguir, é preciso mudar o chip. Entrar no modo projeto. Isso inclui dividir tarefas, organizar prazos, pensar em orçamento (mesmo que mínimo) e, acima de tudo, aceitar que o ritmo muda. Não será tão empolgante todo dia. Mas pode ser muito mais recompensador.
Cortar o escopo sem cortar a alma.
Talvez o jogo da jam tivesse 7 finais, 12 fases, 3 mundos paralelos. Esqueça. Corte. Reduza. Foque no núcleo divertido. Um jogo pequeno, coeso, polido e com identidade tem muito mais chance de dar certo do que um épico inacabado.
Talvez o maior desafio não seja transformar o protótipo num jogo, mas transformar o entusiasmo inicial numa motivação contínua. Não há mágica. Há rotina, dúvida, retrabalho. Mas também há descobertas.
Muitos dos melhores jogos indies que conhecemos hoje começaram como jams. Alguns dos mais importantes, por exemplo, nasceram em 4 dias. Mas cresceram porque seus criadores não queriam só fazer um jogo bonito — queriam dizer algo. E sabiam que dizer algo exige esforço, cortes e persistência.
Participar de uma game jam é uma das formas mais puras de criação em grupo. É o improviso, o rascunho, o riso solto no código. Mas transformar isso em produto é outro jogo. Não melhor, nem pior, apenas diferente.
É quando vamos transformar o game em algo que dure. E, com sorte, que pague o café da próxima jam. Mas nenhum jogo, no mundo inteiro e em tempo algum sobreviveu no mercado sem ser constantemente tracionado por mãos experientes e principalmente persistentes. E isso pode custar mais tempo e empenho do que fazer o game propriamente dito.