Desde o longínquo ano de 2014, quando a Avenida Indie apareceu pela primeira vez na Brasil Game Show (BGS), sinto a necessidade de falar sobre ela e principalmente sobre essa ideia genial de estabelecer um espaço, dentro de um grande evento, para as iniciativas, estúdios e desenvolvedores brasileiros no seu nascedouro profissional. Na minha humilde opinião, seria o celeiro, ou pontapé inicial para os games que moldariam (ou moldarão) o mercado digital brasileiro. E não digo isso apenas pelo aspecto financeiro, mas principalmente pelo lado cultural dessas iniciativas.

Mas, vamos do começo: a BGS teve a sua primeira edição em 21 de junho de 2009, no Rio de Janeiro, com o nome de Rio Game Show. Ainda em 2009 ocorreu uma segunda edição no mês de novembro. A partir de 2012 a feira foi transferida para São Paulo, passando a se chamar Brasil Game Show, ou BGS pros íntimos. Em 2013 aportou no Expo Center Norte, um gigantesco complexo de eventos na capital paulista, de onde só saiu agora em 2025, indo parar no novíssimo Distrito Anhembi.

Falar em escala de grandeza não é tão simples como parece mas, para quem circulou pelas Feiras Internacionais de Informática nos anos 80 (inclusive como expositor) ou nas Fenasofts (nos anos 90) não há de ficar impressionado com o tamanho da BGS. Daí que essa ideia de um espaço especial para os “nossos devs” sempre soou como um momento especial.

Ao longo desses quase 10 anos de Avenida (porque no ano da pandemia a feira toda foi suspensa) colecionei principalmente conversas e bate papos com os expositores, com o principal objetivo de responder a seguinte pergunta: vale a pena o investimento?

Ir, ou levar o seu jogo, para a Avenida não custa pouco e a isso devemos somar os custos de deslocamento, alimentação, estadia, transporte, etc. Parece pouco mas acredite: não é. Aprendi, nos anos 80 como Diretor Técnico da revista Micro Sistemas, que a ida a um evento desse porte precisa ter um resultado material expressivo, além dos resultados intangíveis, tipo expor o produto, se tornar conhecido, ouvir avaliações e por aí afora. Entenda por resultado material expressivo o dinheiro de vendas. A menos, é claro, que você tenha recursos sobrando ou foi agraciado por um edital camarada, a fundo perdido.

Minha busca então passou a ser essa, ou seja, que resultados podemos esperar, olhando para as feiras passadas? Fiz o que todo bom editor faz (o dever de casa), ao montar uma matéria: consultar as fontes oficiais.

Curiosamente a assessoria de imprensa da BGS me respondeu com um lacônico “não temos interesse nessa pauta” a apenas 5 perguntinhas básicas que fiz:

1- Quais as novidades para o ano de 2025;
2- Quantos expositores estarão presentes;
3- Média de espaço, em m2, por expositor;
4- Custo aproximado por m2;
5- Qualquer informação extra que complementem essas.

Como assim? Não querem divulgação do evento? Tentei contato com outras pessoas envolvidas com o evento, inclusive da direção e nada. Silêncio total. Fui até o site oficial e nada encontrei sobre a Avenida Indie na seção de releases do evento. Desde sempre teci críticas à organização do evento por considerar a ideia da Avenida, embora muito boa, mal executada, principalmente em relação ao espaço de circulação. Longe de ser uma avenida, sempre me pareceu uma Travessa (e olhe lá).

Qual a relevância disso? Espaço adequado para você apresentar o seu produto. Numa Travessa apertada fica difícil conversar, mostrar seu jogo, fazer networking e até mesmo vender cópias (ou chaves). Só lembrando que chegar até alí custou caro e não dependeu de favor de ninguém.

Então vamos à mãe de todas as redes e após algum tempo pesquisando aqui e acolá basicamente encontrei apenas textos enaltecendo o maior de todos os eventos, oportunidade única, milhões de visitantes e blá, blá, blá, mas avaliação de participação que é bom não encontrei nenhuma.

Recorro ao moderno pai dos burros, o chat GPT 5, para uma ajudinha e, para testar a tal acuracidade da nova versão, pedi um histórico da feira e da Avenida Indie, com fontes inclusive. Até aqui tudo dentro dos conformes.

Pedi para o GPT me listar as novidades para 2025, já que não encontrei nada no site oficial e o máximo que ele me retornou foi: “em 2025, a BGS introduz uma novidade PRÓXIMA à Avenida Indie – a área BGS Educação“. No ano anterior já havia sido prometido um maior espaço entre os expositores, talvez almejando uma promoção para Rua, ao invés de uma simples Travessa. Deixo essas duas imagens abaixo, do evento de 2024, para o leitor ter uma ideia do que estou falando.

Pedi uma lista de expositores e seus games, de todos os anos e o que tive como resposta foram listagens parciais. Aparentemente ninguém se preocupou em registrar suas experiências nesses eventos. Também pedi dados de custos por metro quadrado e tive menos resposta ainda. “sem dados públicos disponíveis”, “valores não divulgados” coisas do tipo.

Como complemento dessa falta de informações, o GPT sugeriu entrar em contato com o departamento comercial do evento, me oferecendo até mesmo para “montar” uma proposta. Tenho certeza que, ao contrário da assessoria de imprensa, o departamento comercial me atenderia. Alias, semana sim e outra também recebo deles e-mails me oferecendo espaço na feira “antes que acabe”. Por pura coincidência, no momento que escrevo essas linhas recebi um e-mail do tipo “última chance”. Isso é resultado de um determinado ano no qual considerei seriamente a participação na Avenida como expositor.

Mas, voltando à nossa busca. Pedi por menções nas mídias, nos anos anteriores, e só apareceram coisas como aquela declaração de que “a feira é um momento para expor seu trabalho e ganhar tração nos games”. Tudo sempre recheado de muito otimismo, esperança e coisas do gênero.

Mas, acredito eu, não é bem isso que você gostaria de saber, então vamos mergulhar mais fundo e pedir por depoimentos ou menções a resultados pós evento. Avalie o resultado aqui mesmo:

2014 – “Pavilhão indie” abaixo do esperado e custo percebido como alto. Cobertura crítica relata que a meta de número de estandes não foi atingida; há menção a valores (rumor) de R$3–4 mil por 4 m². Em contrapartida, alguns jogos conseguiram exposição de mídia grande (ex.: Duaik no Jornal Nacional). Sinal misto para “valeu a pena”: visibilidade sim, ROI financeiro incerto (Geração Gamer).

2015 – “Distante da sua audiência”. Outra análise aponta problemas de visibilidade e fluxo para o espaço indie naquele ano, sugerindo que o retorno podia ser limitado pela localização/arranjo (Geração Gamer).

2019 – Exposição e redes (qualitativo). Matérias e blogs destacam boas conversas com devs, diversidade de estúdios e visibilidade ao público; também citam dificuldade de financiamento no Brasil ou seja, conversão em negócio nem sempre vem rápido (Arroba Nerd)

2022 – Muitas entrevistas com indies. Série de entrevistas com expositores (Parallel, Super Mombo Quest, Pocket Bravery, etc.) foca em visibilidade e networking; quase não há números de vendas/“deals” pós-BGS tornados públicos (Drops de Jogos).

2023 – Recorde de público; feedback do corredor indie. Materiais oficiais e imprensa notam público muito alto e a Avenida Indie “maior que nunca”. Para quem busca awareness e playtests, isso tende a ser positivo; ainda assim, relatos quantitativos pós-evento não aparecem (Gamers & Games).

2024 – Ajustes físicos e fluxo. Reportagem reúne falas de expositores: corredor mais largo e duas vias, porém sensação de que o “aumento” ficou mais na largura do que em exposição/curadoria. Serve como insight de experiência do expositor; não há números de resultados, mas impacta a percepção de valor (Quebrando O Controle).

Pontos críticos recorrentes na imprensa: alguns veículos avaliam que a área indie “está devendo” em curadoria/destaque – o que, indiretamente, pesa no retorno percebido – se a descoberta for fraca, cai a chance de leads (Drops de Jogos).

Na minha opinião ou o GPT não sabe procurar direito ou não tem mesmo muita gente interessada em avaliar o evento, tanto para melhorias nos anos seguintes, como para entender realmente se vale a pena tal investimento. Mas para não dizer que o dito cujo passou em brancas nuvens, ele termina o questionamento com a seguinte frase:

“Há consenso de que a BGS Indie entrega visibilidade/awareness e playtest com muito público. Para ROI financeiro/negócios, os relatos públicos são escassos; não encontrei casos documentados de “fechamos publisher por causa da BGS” ou métricas do tipo “+X% wishlists”, publicados pelos estúdios.”

Ou seja, muito oba oba e pouco resultado prático. Os boletos pós evento estarão lá na mesa, sem falta. Mas ainda não me dei por vencido e pedi que fizesse uma lista, ano a ano, de todos os expositores e seus games. Meu propósito era constatar (ou não) a continuidade de pelo menos alguns expositores, afinal se foi bom o freguês sempre volta, não é mesmo? E o resultado foi basicamente o seguinte: de fato podemos encontrar uns poucos jogos que repetiram o experimento de ir à feira, mas o normal é ir um ano e não dar mais as caras nos anos seguintes.

Na minha opinião, ou isso acontece porque não valeu a pena ir ou porque valeu tanto que o game mudou de patamar e saiu da “iniciativa” para algo mais vultoso, tipo o saguão principal.

Então lá fui eu: algum jogo exposto na Avenida Indie foi exposto na área principal nos anos seguintes?

Boa pergunta! Encontrei apenas um relato indireto e parcialmente anedótico, sem confirmar com clareza uma transição direta da Avenida Indie para a área principal da BGS em edições seguintes. Veja o que foi possível apurar: “O estande foi um sucesso, um dos mais visitados e comentados da área Indie, o que nos deu ainda mais ânimo para continuar seguindo em frente!”. Comentário no Reddit.

Não satisfeito inqueri: algum jogo exposto na Avenida Indie atingiu sucesso comercial ou relevância no mercado? Não fiquei surpreso com os jogos, mas com a (pouca) quantidade deles: Fobia – St. Dinfna Hotel (Pulsatrix Studios), Sky Racket (Double Dash Studios), 9 Kings (Sad Socket) e El Hero (Moonite Games).

E ai a cereja do bolo: considerando que relevância implica em um reconhecimento fora dos meios relacionados aos games, como lojas, sites, matérias, mídias, etc, eu pergunto: algum jogo exposto na Avenida Indie transcendeu do mero posicionamento comercial para uma participação efetiva na cultura e no entretenimento digital, no Brasil?

Fobia – St. Dinfna Hotel (Pulsatrix Studios)
Reconhecimento Cultural: Este jogo de terror brasileiro foi amplamente discutido em mídias tradicionais, incluindo matérias em jornais e sites especializados.
Participação em Eventos: Foi destaque na BGS 2022 e recebeu prêmios como Melhor Jogo Brasileiro no BIG Festival 2021.
Impacto Cultural: A ambientação do jogo, inspirada em elementos da cultura brasileira, contribuiu para o reconhecimento do jogo como uma obra cultural significativa.

Dandy Ace (Mad Mimic)
Reconhecimento Cultural: Com uma estética inspirada no Brasil, o jogo foi destacado em listas de melhores jogos indie brasileiros.
Participação em Eventos: Foi apresentado na BGS e recebeu atenção tanto da mídia especializada quanto do público em geral.
Impacto Cultural: A incorporação de elementos culturais brasileiros na narrativa e no design do jogo ajudou a estabelecer uma conexão com a identidade nacional.

El Hero (Moonite Games)
Reconhecimento Cultural: Lançado em 2025, este jogo de battle royale ambientado em favelas brasileiras rapidamente se tornou um fenômeno cultural.
Participação em Eventos: Foi amplamente divulgado e discutido em mídias tradicionais e digitais, destacando-se como um exemplo de representação cultural no universo dos games.
Impacto Cultural: A representação das favelas e da cultura urbana brasileira no jogo gerou discussões sobre identidade e inclusão no meio digital.

9 Kings (Sad Socket)
Reconhecimento Cultural: Com mais de 400 mil cópias vendidas no primeiro mês e avaliação positiva de 93% no Steam, o jogo recebeu atenção significativa da mídia tradicional.
Participação em Eventos: Foi destaque em eventos como o BIG Festival e a Gamescom LATAM 2024.
Impacto Cultural: A ambientação e os elementos culturais presentes no jogo contribuíram para seu reconhecimento como uma obra representativa da cultura brasileira no cenário internacional.

E o GPT complementa: Esses jogos exemplificam como a Avenida Indie da BGS tem sido uma plataforma eficaz para jogos independentes ganharem visibilidade e reconhecimento, não apenas no mercado de games, mas também na cultura e no entretenimento digital mais amplo no Brasil.

Quase 10 anos de funcionamento e nenhum mega, hiper, blaster, hecatômbico sucesso comercial e de público? Longe de mim contestar a qualidade do Fobia – St. Dinfna Hotel, do qual sou fã de carteirinha mas dos outros nada posso falar, pois sequer os conheço. E para mim essa é a questão: essa informação não me chega espontaneamente, a menos que eu vá de encontro a ela.

O problema aqui é que até eu chegar nela, passei por uma montanha de outros estímulos que podem muito bem ter me tirado do caminho. A feira, seu antes e seu pós, deveriam servir para manter o gamer dentro dos limites da área de interesse e isso não significa apenas mais espaço entre os expositores mas principalmente um projeto de curadoria e acompanhamento. Afinal, isso tudo é ou não um negócio para além de vender ingressos ou espaço?

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