Para quem acompanha o segmento de produção de jogos nacionais, uma década parece ter passado muito rápido. Não faz muito tempo, games como Odallus, do estúdio JoyMasher, SambaSim, da desenvolvedora Aiyra, Ubermosh, de Walter Machado, Chroma Squade, da Behold Studios, e Toren, do estúdio Swordtales, pareciam estar chegando ao mercado para disputar a atenção dos jogadores com as produções internacionais. Entre estes icônicos projetos, Aritana e a Pena da Harpia também estreava em uma plataforma de destaque, o console Xbox One, por meio do programa ID@Xbox, em setembro de 2015.
“Dia 8 de setembro de 2015, ‘Aritana e a Pena da Harpia’ saía para Xbox One, mudando a vida do meu irmão e da minha”, escreveu Ricardo Duaik, um dos criadores do game, em postagem na rede social Linkedin, afirmando que sua criação “trouxe, e ainda traz, momentos de felicidade para a gente”.
“Carinho imenso para todos que participaram dessa jornada, não só quem ajudou o projeto a chegar aonde chegou, com os desenvolvedores do primeiro jogo, Persis Duaik, Ricardo Duaik, Vitor Ottoni, Rafael Morais e Eduardo Maurício, mas a todos os jogadores que jogaram e tiveram um bom momento nas aventuras de Aritana. Ah sim, e aos que jogaram e odiaram os controles também!”, rememorou, saudoso, o executivo. Os controles do game, originalmente, foram objeto de críticas ferrenhas em razão da dificuldades iniciais e tema de muitas discussões online. “A parte do controle foi muito questionada, mas ele continua vendendo. No final, ele se pagou”, explicou Persis, diretor da Duaik, a este repórter, em entrevista concedida do Drops de Jogos, em dezembro de 2017.
“Aritana e a Pena da Harpia, desenvolvido e publicado pelo estúdio DUAIK, é um jogo com temática indígena e que foi um marco importante para os jogos independentes do Brasil. Isso porque ele foi o primeiro jogo brasileiro a chegar no Xbox One, que agora comemora 10 anos de seu lançamento”, registrou Bruno Izidro em um artigo comemorativo aos dez anos de lançamento do game no dispositivo da Microsoft.
“Aritana e a Pena da Harpia chegou ao Xbox One em 9 de setembro de 2015. Nesse dia, o game de plataforma desenvolvido pelo estúdio Duaik Entretenimento entrou para a história de Xbox como o primeiro game brasileiro lançado como parte do programa ID@Xbox no console”, documentou Izidro, editor do Xbox Wire Brasil, no artigo do final de setembro daquele ano.
Foi em julho de 2012 que pela primeira vez tive contato com o projeto, à época ainda como redator e jornalista para o Portal GeeK. “Olá Cyberkao. Meu irmão e eu desenvolvemos um jogo independente chamado Aritana. Acabamos agora a fase de alpha teste. Temos um demo no site para jogar, que não reflete o jogo final, pois sofrerá algumas importantes mudanças na jogabilidade, mas que já dá uma ótima ideia do que está por vir. Desenvolvemos em Unity3D e o projeto já tem um ano de vida”, escreveu-me Pérsis Duaik, em um email, buscando novas frentes para divulgar sua criação. À ocasião, uma reportagem do site GameVício sobre a produção dos irmãos desenvolvedores (hoje, infelizmente, offline) já contava com mais de nove mil visualizações, demonstrando o interesse do público por jogos com temática nacional.
“Sabe por que Aritana é um jogo 2D? Porque a gente não sabia programar movimentação. Ninguém sabia programar direito na época”, revelou Persis Duaik ao repórter, informando que teria aprendido a programar enquanto desenvolvia o game. “A movimentação de todos os inimigos em Aritana são equações do segundo grau, porque era o que a gente sabia fazer na época”, confidenciou.
Como explica reportagem da Rádio Gazeta, veiculada em maio de 2018, o jogo de aventura tem seu enredo inspirado na cultura indígena brasileira e apresentou inúmeras dificuldades por ter sido o primeiro projeto nacional a chegar ao Xbox One, envolvendo problemas como a questão da temática indígena, seu processo de produção, os problemas enfrentados ao criar o jogo no Brasil e o desenvolvimento de sua sequência.
“Não tínhamos nenhum conhecimento em programação de jogos mais complexos, tampouco havia a possibilidade de contratar um programador”, explicou Pérsis Duaik ao jornalista Théo Azevedo, em artigo para o Start, do Uol, em junho de 2014, época do lançamento do game na plataforma Steam, confirmando as muitas dificuldades encontradas para a produção, à época. “A solução foi pegar o conhecimento básico que tínhamos e estudar”, afirmou.
“Fruto do trabalho de quatro pessoas durante três anos, ‘Aritana e a Pena da Harpia’ contraria a ‘sabedoria convencional’ quando o assunto é produção de jogos indie no Brasil: é inspirado na cultura nacional, tema considerado de difícil viabilidade comercial, e está à venda em versão em caixinha, numa época em que predomina a distribuição digital”, relatou Théo na mesma publicação.
Ao G1, por ocasião da chegada do game ao Xbox, Pérsis desabafou, em setembro de 2015, que “lançar um game é um salto no abismo. Você tem que estar preparado para tudo”. A adaptação ofereceu uma ampla visibilidade à produção dos criadores, mas não sem um esforço igualmente significativo e extenuante, evidenciaram. “Colocar o jogo no console envolve todo um trabalho de conversa dele com a interface de programação do sistema”, declarou Pérsis.
Em agosto de 2014, o site TechTudo avaliou a produção, atestando alguns aspectos relevantes da criação nacional, observando ser um jogo em estilo plataforma no qual o usuário explora uma floresta repleta de mistérios em um ambiente baseado na cultura dos índios brasileiros. “Muito misticismo e batalhas se encontram no caminho da guerreira, que deve enfrentar todos os obstáculos para alcançar seu objetivo”, escreveu o articulista – não creditado – no review.
“Apesar de existirem, não é muito comum ver jogos de autoria brasileira, então é bastante interessante ver que um game nacional conseguiu espaço na Steam”, relata o artigo, comunicando que o jogo de plataforma busca homenagear com eu design os jogos de uma época passada, “onde o estilo de aventura tinha um gameplay inigualável”. “No geral, Aritana and the Harpy’s Feather é muito bonito e prende o jogador à primeira vista. Apesar de não ser excepcional, ainda assim é uma experiência que vale a pena ter em sua biblioteca (mesmo que seja para jogar uma vez apenas)”, finaliza o texto.
“Os inimigos em um jogo de plataforma geralmente andam de um lado para outro sem se preocupar com a existência dos heróis. Era exatamente disto que precisávamos na época. A temática indígena foi o último ponto definido. Entendemos que esta temática estaria de acordo com os objetivos da Duaik de trazer a cultura brasileira para o jogo e ao mesmo tempo era uma temática que se encaixava muito bem no estilo plataforma”, comentou Pérsis, em entrevista ao Bado Vikling, em janeiro de 2015, para o site Iniciativa Nerd.
“A maior mudança feita no Aritana foi ao entrarmos no Steam Greenlight. Na época, o jogo era uma cópia mal feita do Donkey Kong. Não havia o bastão e nem as Posturas. Levamos tanta bronca que tivemos que escolher entre abandonar o projeto ou mudá-lo radicalmente”, revelou o designer ao bardo, demonstrando a importância de tomar decisões muitas vezes radicais para criar a identidade de sua produção.
“Também vale apontar que é inteligente a forma como se criaram os inimigos dentro do game. Aritana é um índio que parte em uma jornada para conseguir uma pena da Harpia, uma ave que vive no topo da montanha de sua região, pois é preciso dela para se realizar um ritual que livrará o Cacique da aldeia de um espírito maligno que se apossou de seu corpo. Sendo assim todos os inimigos são espíritos, e ao bani-los desse plano de existência, eles retornam. Assim o game permite que inimigos aniquilados em saltos retornem, não criando aquele efeito ruim que os games antigos tinham de inimigos desaparecendo e reaparecendo do nada. Em Aritana aniquilar os espíritos apenas os fazem sumir temporariamente, por alguns segundos”, analisa Thiago Machuca no artigo publicado em dezembro de 2015, no site Portallos.
Ao GameBlast, Gabriel Toschi redigiu um verdadeiro manifesto em favor do game, destacando aspectos positivos da produção, ao firmar que se trata de “um game de plataforma 3D, todo colorido como uma verdadeira floresta brasileira”. “É lindo de cair o queixo, definitivamente. Tudo parece estar vivo na tela. Bem difícil que toda a ‘alegria brasileira’ tenha sido melhor representada em um jogo”, avaliou.
“A ‘moeda’ do game são frutas de guaraná, as vidas são representadas por potes de urucum e a energia por folhas de árvore. São nos pequenos detalhes [nos quais] a desenvolvedora consegue mostrar o capricho feito para apresentar o Brasil dentro de um jogo”, observa o articulista. “A música é um outro espetáculo à parte. Com trilhas formadas por compassos bem marcados e um grande uso de percussão, a Duaik conseguiu demonstrar como as canções indígenas podem encaixar bem, desde a tela de título até os momentos mais decisivos”, proferiu.
As análises e reviews da época são quase unânimes em relação ao problema com os controles para o jogo, um calcanhar de Aquilies para a desenvolvedora, que levou algum tempo para solucionar o problema, sob inúmeras críticas de jogadores. Isso, no entanto, não parece ter maculado a memória sobre a diversão proposcionada pelo jogo, que tem muitos fatores que favoreceram o lançamento e mantém acesa uma saudosa recordação para aqueles que conheceram e jogaram o projeto.
A desenvolvedora brasileira chegou a produzir e comercializar uma continuação do game, Aritana and the Twin Masks, game com tecnologia 3D e proposta de mundo aberto, que chegou aos consoles Xbox One e PlayStation 4, em agosto de 2019. Buscando diversificar produtos com a IP do projeto, a empresa também lançou histórias em quadrinhos em formato digital com os principais personagens do game, trazendo o histórico ligado às origens das aventuras vividas nos jogos digitais.
“Desde a sua concepção, Aritana 2 foi desenvolvido utilizando o conceito transmídia, tanto é que a proposta aprovada pelo edital da SPCINE em 2016/2017 já contemplava a história em quadrinho, possibilitando a criação de um conteúdo que viesse de encontro ao mundo fantástico gerado pelo universo do jogo. “Quando o projeto foi aprovado, contratamos o roteirista Rodolfo Parra, que foi responsável por criar os roteiros para o jogo e para a HQ. Ele mergulhou no universo Aritana para alinhar a história e criar os ganchos que permitiram aprofundar o roteiro interligando os acontecimentos de Aritana e a Pena da Harpia e Aritana e as Máscaras Gêmeas”, contou Rodrigo Módena, CEO da DUAIK Entretenimento, conforme relatado em artigo do Drops de Jogos, de setembro de 20218.
Como destacou Izidro em seu artigo, o que chama a atenção no jogo original, ainda hoje, mesmo após uma década, não são eventuais limitações técnicas, e sim as características que o tornam um interessante jogo de plataforma com sabor brasileiro, com elementos como sementes de guaraná, amuletos muiraquitã e o grande antagonista do jogo na figura mitológica do Mapinguari.
Aritana e a Pena da Harpia sagrou-se vencedor de diversos prêmios, como Melhor Jogo Nacional de 2014, pela avaliadora TGA (Tribo Game Awards), Melhor Jogo, Melhor Visual, Melhor Áudio e Melhor Tecnologia no SBGames 2015, foi laureado o Melhor Jogo na categoria Voto Popular e Jogo Revelação no BIG Festival, e Jogo Brasileiro do Ano pela BGA, premiação ligada à Brasil Game Show à ocasião. Sua produção foi um marco para a cultura dos games nacionais e ajudou a sedimentar o caminho para novas empreitadas no mercado, ajudando a consolidar nossa produção local.
Assista, abaixo, os vídeos dos games lançados pelo estúdio.
Imagem: fotomontagem
