Desenvolvedor: Among Giants 

No capítulo Fase III do livro Indie Brasilis, que cobre os games brasileiros desenvolvidos nos anos 2000, observamos como alguns estúdios apostaram em produções grandiosas e cuja resposta de público ou resultado mercadológico nem sempre corresponderam à dimensão almejada pela proposta, a exemplo de criações como Outlive e Taikodom.

Ainda hoje, ao que parece, continua sendo comum entre alguns dos desenvolvedores brasileiros a ideia de se empenharem na criação de seu mega projeto sem atentar para as dificuldades do processo, o tempo de produção, os custos incidentes sobre esta realização, as dificuldades técnicas e até mesmo as inconstâncias do mercado e do perfil dos jogadores ao longo do tempo com as rápidas mudanças tecnológicas do meio e sociocomportamentais do mundo.

Analisar a amplitude se suas propostas de jogo e os fatores diretamente envolvidos na produção, de modo a conseguir viabilizar o projeto e transformá-lo em um produto bem-sucedido se mostra uma lição a ser ainda aprendida para boa parte dos designers de games do Brasil, ainda que este seja um arsenal de excelentes ideias.

Estas considerações surgem quando avaliamos a criação do estúdio paulista Among Giants, denominada Distortions, que apresentou inúmeras qualidades em um projeto ambicioso que acabou vítima de suas próprias intenções, com um resultado igualmente belo e irregular.

“O mercado brasileiro está prestes a ver mais um jogo nacional nascer. Trata-se de Distortions, game desenvolvido pelo estúdio paulista Among Giants que teve uma contagem regressiva de dez dias iniciada, e ao término dela teremos mais detalhes revelados, e entre eles talvez estejam a data de lançamento e as plataformas que vão recebê-lo”, redigiu Douglas Vieira da Silva, para o site Tecmundo, em maio de 2017, informando que a produção levou oito anos para ser finalizada.

Também em maio daquele ano, o site Nerdizmo afirmou que “a ideia do game é apresentar ao jogador um lugar estranho, semelhante a um sonho, onde o tempo parece estar parado; as músicas são suas armas e os relatos de páginas de um diário, [são o] seu guia”, comunica a publicação online, com uma chamada destacando que o “game indie brasileiro promete mesclar músicas, surrealismo e experiências humanas”.

“A ideia é de que, no final das contas, não importa o que te aconteceu. O que importa é como você se sentiu na época, como superou o acontecimento e como se apegou às memórias. O jogo é sobre isso”, explicou o diretor criativo Thiago Girello à jornalista Carol Costa, em entrevista concedida ao site IGN Brasil, também em maio de 2017.

“É um game abstrato. Quisemos deixá-lo na camada do sentimento e trabalhamos essa experiência no jogo por meio das sensações que a música causa na Menina”, continuou Thiago para o site. Carlos Eduardo Cipolla, integrante do estúdio responsável pelo level design do projeto reafirma as palavras de Girello, enfatizando na conversa o caráter feérico da produção: “Queríamos fazer diferente. Tínhamos uma ideia e inúmeros resultados possíveis. Então testávamos, víamos se a mecânica estava funcionando com a narrativa e, em caso negativo, refazíamos o level”, declarou. “Tivemos a preocupação de criar um mundo surrealista, mas que ao mesmo tempo tenha uma lógica para que tudo funcione naquele universo, de acordo com a progressão do jogador em cada capítulo”, arrematou Thiago.

“Em Distortions você controla uma personagem conhecida apenas como Garota, que acaba de despertar em um mundo completamente estranho. De início não há muitas pistas e sua missão é resgatar as lembranças da protagonista para entender o que está acontecendo e escapar deste lugar surreal”, afirmou Karin Cristina, em artigo de julho de 2018 para o site Delirium Nerd, observando que “para alcançar seu objetivo, Garota conta com a ajuda de um jovem mascarado – que dá dicas sobre o que fazer agora que está desperta – de um diário onde há fragmentos sobre o passado e os acontecimentos que a levaram até este mundo, e de um violino, sua única arma”, que o jogador deverá aprender a tocar para proteger a personagem e ajudá-la a superar obstáculos ou defender-se dos inimigos.

“A princípio você vai lembrar de Guitar Hero, mas com um pouco mais de intimidade perceberá que a mecânica musical de Distortions se aproxima muito mais de The Legend of Zelda: Ocarina of Time”, explica Karin em seu texto.

“Os gráficos são lindos, principalmente os que proporcionam uma visão panorâmica dos cenários” e “a trilha e os efeitos sonoros, como não poderia deixar de ser em um jogo que usa música como temática, são estonteantes”, revela a articulista em dois trechos de sua resenha para o site de cultura nerd.

Se até aqui o conceito geral do game nos parece virtuoso e encantador, as questões levantadas por alguns críticos e avaliadores do projeto mostram que o refinamento de uma produção tão complexa pode deixar a desejar no produto final, lamentavelmente.

Flávio Priori escreveu em sua análise de abril de 2018 para o site Game Blast, que distortions apresentava “um conceito distorcido por problemas”, e que o jogo brasileiro” era promissor, mas inúmeros problemas técnicos” que comprometiam a experiência imersiva na aventura.

“A parte técnica do game tem vários problemas que conseguem abalar qualquer virtude que o jogo possua. A começar pelos controles que, particularmente, me deram um baile nos primeiros minutos de jogo. Apesar de suportar o uso de joysticks, acertar a configuração dele foi um problema, obrigando-me a usar teclado e mouse mesmo”, avaliou.

“Problemas de performance, fluxo de jogo, controle e outros bugs atrapalham muito a experiência do jogador, podendo tirar o foco da narrativa e a discussão que ela propõe, que até tem seus momentos”, vaticina o articulista em sua análise.

“Após passar várias horas perdido — literalmente e figurativamente — pelo mundo de Distortions, fico com a impressão de que minha jornada não foi a que os desenvolvedores queriam que eu tivesse. Achei o jogo confuso, o gameplay estranho e a história excessivamente fragmentada, de modo que a experiência de jogo como um todo foi diluída em meio a estes problemas”, pontuou, sem meias palavras, o repórter Rodrigo Pscheidt, em análise realizada em março de 2018 para o site Arkade.

“Ainda acho que o game tem seu valor por ser ambicioso e diferente de tudo o que anda sendo produzido por aqui. Porém, ele deixou um sabor meio amargo para mim, pois sinto que passei mais tempo aborrecido com seus problemas do que desfrutando de suas qualidades”, sentenciou. “Distortions sem dúvida é uma joia rara do mercado nacional… mas uma joia em estado bruto”.

“Não poderíamos encerrar sem apontar alguns problemas. Depois de passar tanto tempo em desenvolvimento certas coisas chegam a ser bastante irritantes, como muitos bugs que impedem o progresso do game. São paredes invisíveis a sua frente, aquele pulo que nunca dá certo (e não por falta de competência), e algumas falhas abruptas que te fazem questionar o que está acontecendo com o universo”, corroboram as impressões da já citada jornalista Karin Cristina, no Delirium Nerd, cujo avaliação final é positiva, apesar dos problemas descritos.

“E a prova disso é que Distortions foi eleito Melhor Jogo Brasileiro e Melhor Jogo Popular pelo BIG Festival 2017, Best of #BGS10 pelo GameSpot, Melhor Jogo Brasileiro e Melhor Jogo Independente pelo Brazil Game Award, Melhor Tecnologia pelo SBGames e Melhor Jogo pelo Spcine, além de ter sido indicado em outras premiações”, ressalta a redatora. “Então dê uma chance a essa ótima história e à indústria de games nacionais”, finaliza.

Ficha Técnica

  • Data de lançamento: 2017
  • Desenvolvedor: Among Giants
  • Dispositivo/Console: PC
  • Gênero: 
  • Número de jogadores: 1 jogador
  • Este texto foi adaptado do artigo original sobre o game, presente no livro “Indie Brasilis: Catálogo de Games Nacionais – De Aventuras na Selva [1981] à sua versão mobile [2024], que deu origem a esse projeto.

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