Como afirmado no primeiro texto desta série de artigos, o projeto Indie Brasilis cobre quatro décadas da história da produção de games do país, com um livro que traz 60 criações que vão de 1981 até 2024, e prossegue com a apresentação de outros jogos no site e no canal de vídeos.

Neste novo texto, elencados os games disponibilizados no livro na década de 1990, com uma síntese dos artigos redigidos para a obra, para que os interessados no histórico dos games produzidos no Brasil possam ter um gostinho do que será a publicação final, caso a campanha de financiamento coletivo da iniciativa seja alcançado.

Como destacado em nossa pesquisa, a década de 90 ficou marcada pela invasão dos kits multimídia nos computadores pessoais e, por consequência, pela enxurrada de produções interativas com esta tecnologia, incluindo vários games que rodavam diretamente dos CD-ROMs, sendo alguns deles projetos brasileiros, que alcançaram sucesso em números relativos, dos mais bem-sucedidos àqueles que o tempo varreu de nossa história.

Abaixo, é possível conferir as breves impressões dos autores sobre cada jogo deste período:

Jogos dos Anos 90

Guerra do Golfo
Por volta de agosto de 1990, Renato Degiovani acompanhou a guerra mais televisionada daquele século, com imagens em tempo real de mísseis cruzado os céus do Oriente Médio. A partir destas referências, foi inevitável para o desenvolvedor reproduzir a dinâmica dos confrontos aéreos e antiaéreos, criando um game no qual o jogador controlava os ataques e a defesa.

“[a inspiração veio] daquelas imagens noturnas, com as balas traçadoras
riscando o escuro do céu com suas tonalidades esverdeadas”, descreveu o designer. “Imediatamente, imaginei pixels no monitor, representando mísseis numa tela de radar”.

Angra‐I
Diferente dos programas até então comuns para os computadores da época, já na segunda metade dos anos1980, Angra‐I propunha a visualização tridimensional no jogo, conduzindo o personagem por um ambiente direcionável na navegação do jogo.

“[O game] seria a introdução de gráficos em movimento [e] 3D nos Adventures [para o MSX]”, comentou Renato, que jamais terminou o projeto para esta plataforma em razão da pirataria com uma versão shareware por ele disponibilizada à época. O game só chegou em público em sua versão definitiva para o sistema Windows, em 1991.

Aventura e Mistério no Xingu / Nautilus
Aqui, apresentamos dois jogos lançados em uma mesma época, em 1994, pelo inquieto Renato Degiovani, Aventura e Mistério no Xingu e Nautilus. O primeiro game apresentava uma estrutura de jogo similar aos MUDs e RPGs, que chegavam em grande quantidade, vindos de fora, com uma dinâmica pela qual o ‘Mestre do Jogo’ compilava as ações dos jogadores em um sistema, a partir da recepção de disquetes com o desempenho dos personagens aos desafios do jogo.

Nautilus, por sua vez, foi um jogo de estratégia claramente inspirado em Star Trek, série de TV pela qual o desenvolvedor sempre nutriu apreço. “Eu só não usei o nome Enterprise”, confirmou o designer. “Optei por chamar a nave de Nautilus, mas o jogo era do mesmo tipo [com combates entre a Federação e os Klingons]”.

Adolf
Inspirados no jogo de tabuleiro “War”, os desenvolvedores da produtora
VSX Informática decidiram lançar “Adolf”, um game de estratégia para PC
que consistia em buscar meios para conquistar o mundo com manobras de
ataque e defesa.

O game trazia a novidade de permitir até seis pessoas interagindo simultaneamente em combate contra seis comandantes de guerra: Mussolini, Montgomery, Patton, Hitler, Napoleão e Jukóv, e chegou ao mercado em 1996.

Gustavinho e… O Enigma da Esfinge
A diretora Ale McHaddo, fundadora da produtora 44 Toons e apaixonada por animação, resolveu criar um game unindo a interatividade dos CD-ROMs com desenhos animados, produzindo um grande sucesso comercial para a época, em 1996.

Em 2000, a profissional produziria outra obra do gênero, desta vez com seres monstruosos e um personagem caricato de Zé do Caixão, dublado pelo ator José Mojica Marins.

Casseta e Planeta em Noite Animal
Um dos piores games já produzidos no Brasil, o projeto ficou conhecido pelos bugs que impediam a progressão do jogador e pelas piadas infames que envelheceram mal em razão das conquistas sociais para as minorias que eram alvo da chacota dos criadores do extinto programa Casseta e Planeta.

A ATR Multimídia lançou o CD-ROM em 1996 e não voltou a produzir games para o público consumidor.

Curupira
A Nixtron Interactive, de Curitiba, produziu um game de plataforma inspirado na figura folclórica do Curupira, no qual o jogador precisava ajudar a restaurar o equilíbrio ecológico e recuperar as esferas de energia das mãos do temível deus Anhangá, antagonista do herói na aventura.

Para produzir o jogo, a desenvolvedora chegou a produzir seus próprios softwares de animação. O game rodava em sistema Windows 95 e chegou ao mercado em 1997.

Guimo
No Rio Grande do Sul, a empresa Jack in the Box Computing, mais tarde rebatizada como Southlogic Studios, investiu na produção de um game de plataforma, que era um gênero com poucos projetos para o sistema Windows, rodando em computadores 486dx2, com limitado poder de hardware e processamento, em 1997.

O game chegou a ter versões demo compartilhadas digitalmente para download, uma grande novidade para a época, congestionando os servidores locais, e vendeu cerca de cinco mil cópias, com um relativo sucesso para o panorama dos games nacionais daquele distante 1997.

Incidente em Varginha
Dentre os projetos de jogos digitais brasileiros mais memoráveis em quatro décadas, Incidente em Varginha ganha lugar de destaque, não apenas pela sacada de aproveitar um dos ícones de cultura pop e geek do final do século passado no país, a partir da história do aparecimento de um ET na cidade mineira de Varginha, como pela produção de um dos mais bem elaborados e pioneiros FPS produzidos no Brasil.

Como descreveu a Folha de S.Paulo, os fundadores do estúdio Perceptum pretendiam criar originalmente um simulador de aviação chamado ‘Senta a Pua’, baseado na Força Aérea Brasileira durante a Segunda Guerra Mundial, mas descobriram que um shooter tinha melhores vendagens no mercado nacional.

Games em CD‐ROM
O capítulo se encerra com uma pequena amostra de dez games lançados em CD-ROM naquele período, mostrando a profusão de títulos brasileiros com temas diversos trazidos ao público àquela ocasião.

Resumidamente, são apresentados os projetos Victor e o Jacaré, desenvolvido pelo Studio Nobel, em 1994, Flicts, do mesmo ano, desenvolvido por JCS Computação Gráfica, Turma da Mônica: Super Heróis, de 1995, do Diana Multimídia, Pintando com o Senninha, do MPO Vídeo, de 1995, a mídia interativa dos Mamonas Assassinas, de 1996, pela EMI Music, Daniel Azulay: Caras & Bocas, pela Paradigma Editora, de 1997, Osmar: A primeira fatia do pão‐de‐fôrma, da 44 Bico Largo, no mesmo ano, Bakaru ‐ Lendas Indígenas Brasileiras, via Medialink, também de 1997, Aventuras na Ilha X, da Xuxa Produções, no ano seguinte, e Romarinho a Caminho do Gol, projeto de Z‐Movie Studio, naquele mesmo ano.

Como se vê, apesar dos kits multimídia terem dominado a década, vários projetos de jogos digitais brasileiros chegaram ao público por outros meios, incluindo o inovador download vi internet, um luxo reservado para um seleto grupo de jogadores com computadores e conexão a BBSs e sistemas de interação online naqueles tempos.

No próximo texto, trazemos os games dos anos 2000 que foram selecionados para o livro Indie Brasilis.

Interessados em apoiar esta iniciativa, podem acessar a página da campanha no Catarse.

Imagem: fotomontagem