Tem sido possível observar na produção brasileira de jogos uma maior recorrência no uso de temas regionais ou a criação de projetos baseados em lendas e folclores do país, como bem demonstram produções recentes como Fobia, Breu, Angola Janga e Ilha do Presídio, para ficarmos apenas nos games apresentados neste livro, embora não faltem criações, como Mandinga: A Tale of Banzo, Punhos de Repúdio, Ghetto Zombies, Gaucho and the Grassland e uma extensa lista de outras incríveis realizações de estúdios espalhados pelos quatro cantos do país.

Se, por um lado, um vasto contingente de estúdios nacionais tem se pautado para produzir games com expectativa quase exclusivamente voltada para o mercado externo, com títulos que emulam características comuns aos jogos internacionais, nota-se um crescimento consistente naquilo que Degiovani há tantos anos defende, com a produção de criações capazes de legitimar a cultura nacional e ampliar nosso conhecimento acerca de nossos povos, crenças e valores, em um processo educativo informal e, porque não?, lúdico.

É nesse circuito que um time de desenvolvedores do Maranhão, no nordeste brasileiro, inscreveu sua produção, resgatando aspectos folclóricos de sua região em um processo de valorização cultural de sua história e legado, na criação de Lunar Axe.

“Lunar Axe é um jogo de aventura de point-and-click, com ambientes e história inspirada em lugares reais, apresentando uma arte desenhada à mão impressionante. A trama se desenrola após um grande terremoto abalar a cidade, deixando-o preso nos destroços de um prédio colapsado. Agora, sua missão é encontrar uma saída dessa casa abandonada, desvendar os segredos por trás dos misteriosos tremores e confrontar o espírito guardião de um artefato místico”, convoca o release oficial do game, lançado em julho de 2022.

No game, o protagonista se encontra em um dos casarões históricos do período colonial franco-português da cidade e descobre que os tremores locais acontecem por conta do despertar de uma imensa cobra no subsolo da capital maranhense. A única maneira de fazê-la adormecer novamente é encontrar as três partes do Machado Lunar, arma mágica de um guerreiro da tribo Jacianama. 

“[A] Ops Game Studio é lá do Maranhão, fora daquele círculo do Sudeste, que a gente está cansado de encontrar em todos os eventos […], trabalhando num gênero [o point-and-click] que tem suas raízes no final dos anos 1980, na primeira derivação do adventure  tradicional de comando por frases, que era a retirada total desse recurso de digitar o que você quer que o jogador faça para uma interface só de clicar e todas as ações e possibilidades devem estar disponíveis para o jogador”, introduziu o coautor Renato Degiovani, em live de gameplay de Lunar Axe, realizada em maio de 2021, com claro reconhecimento às decisões criativas dos profissionais do estúdio.

“Particularmente, eu gosto muito do point-and-click de primeira pessoa, [pois] o point-and-click em terceira pessoa, por ter um personagem movimentando na tela, ele tira um pouco da imersão, porque não é você jogando, é você controlando o personagem”, observou. “No point-and-click de primeira pessoa, é você quem está lá, é você vivenciando toda aquela experiência”, analisa o decano desenvolvedor.

“Lunar Axe tem só um ou dois puzzles que se repetem entre mais de trinta quebra-cabeças diferentes. Tem uma arte feita à mão cuidadosa e detalhista – e que não sei porque, mas me trouxe um aspecto meio Indiana Jones pra caçada. E tem uma trilha sonora sensacional e imersiva feita pelo Danilo Aguiar”, comentou Lucas Toso, no mesmo mês de lançamento do game, em análise para o portal Terra.

“Outra coisa que funciona além dessa inventividade dos puzzles e a serotonina de resolvê-los são os encontros com a prometida serpente. Nas primeiras duas cavernas topamos com a barrigona da cobra se arrastando pelos túneis e causando mais estragos. E na Fonte do Ribeirão finalmente conhecemos a dita cuja, com direito a uma batalha final de chefe nas ruas de São Luís que é simples, mas inusitada pros moldes do que o gênero propõe”, afirmou o articulista, elogioso.

“Uma coisa que se destaca é a arte de Lunar Axe. Este é um jogo desenhado à mão, com algumas cenas em particular parecendo belas obras de arte. O cenário é propositalmente escuro e sombrio, então às vezes é um pouco escuro demais para o nosso gosto. Mas, no geral, é um jogo muito bom de se ver, com uma grande quantidade de detalhes espalhados em locais como igrejas e porões subterrâneos”, atesta a análise de Kim Snaith, de abril de 2024, para o site internacional GameSpew.

“Lunar Axe vai incendiar seu mundinho? Absolutamente não. Este é um jogo de aventura de apontar e clicar de baixo custo, mas vale o preço pedido. E para os fãs do gênero, ele deixa formigando a coceira dos quebra-cabeças mais do que adequadamente”, sentencia a editora do site britânico de games.

Para além do instigante gameplay oferecido pela mecânica convencional dos jogos de apontar e clicar, o ponto alto do projeto reside, inegavelmente, no desvelar da beleza tradicional da capital do Maranhão e sua estética única, que alia as construções típicas do Nordeste brasileiro à arquitetura barroca do classicismo francês. “O ludovicense [isto é, a pessoa nascida na cidade de São Luís] que se aventurar no jogo Lunar Axe vai identificar elementos da nossa cidade logo de cara, desde os característicos lampiões até a carranca”, explicou Kassio Sousa,  diretor executivo do estúdio, em entrevista concedida ao G1, em agosto de 2023.

“O jogo foi criado para levar lendas e histórias maranhenses para o mercado internacional. O jogador irá explorar localidades reais e conhecer personagens históricos enquanto embarca em uma jornada mística para salvar a cidade de São Luís”, contou Kassio Sousa, um dos desenvolvedores do jogo, confirmando o desejo de propagar a riqueza cultural de sua terra, conforme reportagem local. 

“Adoro a configuração e a história baseadas no folclore brasileiro que é encontrado em Lunar Axe. Ele também tem uma atmosfera assustadora e incomum; uma que evoca uma era histórica e um lugar místico. As situações são auxiliadas pelas raras cutscenes que você encontra; elas são bem feitas e visualmente assustadoras”, exultou o articulista Gareth Brierley, também em abril de 2024, em review para o site The Xbox Hub. Brierley ressaltou, no entanto, ter sentido dificuldade com os controles: “mover o cursor pela tela nunca parece tão preciso quanto seria com um mouse”, avaliou.

“Imagino que funcione melhor no PC, onde você pode usar o mouse”, confirmam as palavras de Clarissa Witt, disponíveis em análise do game no site britânico Respawning, em maio de 2024. “Uma coisa irritante é que as direções das salas nem sempre fazem sentido porque, conforme você se move, a orientação dos jogadores muda e você pode acabar voltando para si mesmo sem querer”, indicou, sem se deixar contaminar pelas más impressões sobre o projeto: “No geral, se você está procurando uma maneira divertida de passar algumas horas quebrando a cabeça, o valor pelo dinheiro desse jogo vale a pena”.

“Os controles do jogo são um pouco desajeitados, pois os desenvolvedores decidiram adaptar o jogo para controles mapeando um thumbstick para o movimento do mouse”, opinou Sam Kahn, em review para o site The Geek Grind, em abril de 2024, em sintonia com a percepção de outros avaliadores, como visto.” O controle deslizante de sensibilidade nas configurações não muda muito a sensibilidade; ele nunca me permitiu mover o ponteiro tão rápido quanto eu gostaria”, ponderou. “Teria sido legal ter a capacidade de alternar entre objetos que você já encontrou em cenas com um botão ou ter itens de inventário se movendo entre eles”, finalizou, destacando que, apesar destas questões, “não chega a ser ruim que seja [também um jogo] bonito de se ver”.

Mesmo com pontos que merecem atualização, sobretudo considerando tratar-se de um game recém-lançado e com chances de ganhar melhorias em novos patches, Lunar Axe dá o seu recado, como enfatiza um de seus desenvolvedores:

“Nosso jogo de maior sucesso sem dúvidas é o Lunar Axe, um jogo de aventura e mistério em arte 2D e mecânica de clicar e arrastar. Já foi jogado por mais de 20 mil pessoas em mais de 100 países diferentes, levando nossa cultura para todos os cantos do mundo”, disse Kassio Sousa à repórter Geisa Almeida, do site jornalístico G1, em agosto de 2023.

“Lunar Axe é mais que um jogo, é uma forma de levar nossa cultura maranhense para o mundo, é uma expressão da nossa história que alcançou o mundo”, sentenciou o desenvolvedor em sua conta pessoal no Instagram, por ocasião do lançamento do jogo. “Locais reais do centro histórico e histórias inspiradas na fundação de São Luís. Trilha sonora com uso de instrumentos regionais como o tambor onça e matracas, um jogo que carrega nossas raízes e leva em uma aventura por nossa cultura”, proferiu, orgulhoso.

O game foi finalista nas categorias Game Screenshot e Best Storytelling, no SBGames 2020, integrou o Panorama Brasil, do BIG Festival 2021, foi premiado como o Melhor Gameplay no Festival Guarnicê 2021 e levou a premiação da categoria Best Soundtrack, no SBGames 2022.

Ficha Técnica

• Data de lançamento: 2022
• Desenvolvedor: Ops Game Studio
• Dispositivo/Console: PC, PS4, PS5, Xbox One, Xbox Series e Switch
• Gênero: Puzzle
• Número de jogadores: 1 jogador
• Este texto foi adaptado do artigo original sobre o game, presente no livro “Indie Brasilis: Catálogo de Games Nacionais – De Aventuras na Selva [1981] à sua versão mobile [2024]“, que deu origem a esse projeto.