Desenvolvedor: PugCorn

O princípio da representatividade tem norteado produções de jogos nacionais desde os primórdios do design de games. Obras que retratam a questão da ecologia, a exemplo de Amazônia, Aventuras na Serra Pelada, Aventura e Mistério no Xingu e Angra-I, todas de Renato Degiovani, trazem desde sempre um alerta de caráter socioambiental, como se vê em projetos como Tainá, também insurgente do debate ecológico da contemporaneidade, e Curupira, para nos atermos a algumas destas produções.

Ciber Cabra se pretendia um legítimo referencial da histórica cultura do cangaço, embora jamais tenha sido finalizado e publicado, na mesma linha de outros projetos, como Cangaço Wargame, da Sertão Games, de 2014, e Sertão Profundo, jogo em desenvolvimento há mais de uma década pelo estúdio Nasvera – ambos projetos fora da publicação impressa desse projeto editorial, mas que verão a luz do jornalismo de games aqui no site Indie Brasilis.

Ilha do Presídio, Alpha Beat Cancer e Angola Janga, outros games contemplados no livro desta iniciativa, que traz a compilação de sessenta jogos, também falam sobre aspectos políticos, saúde e a questão racial, traçando um vislumbre de temas igualmente importantes.

Neste ponto, vale registrar a relevância do tema Diversidade quando se fala também nos tópicos de gênero e sexualidade, pauta de evidente teor socioeducativo e fundamental para entendermos o respeito às diferenças e o valor à vida. Isto posto, é claro que o assunto chegou ao desenvolvimento de jogos nacionais, com excelentes exemplos, como Unsighted, produzido pelas desenvolvedoras Tiani Pixel e Fernanda Dias, The Shade Forest, projeto da drag queen Amanda Sparks, ou Lipsync Killers do Fab. Studios.

Florescer é uma criação que integra este quesito e pode ser descrito como um Serious Game narrativo, desenvolvido pelo estúdio PugCorn em conjunto com a Casa de Acolhida a Mulheres Transsexuais e Travestis Florescer. O jogo tem o objetivo de provocar a reflexão e causar empatia para com as pessoas trans, colocando o jogador no papel de uma adolescente trans e mostrando as dificuldades e os preconceitos presentes no cotidiano, afirma o estúdio.

Idealizado durante a FUBAJam, da UFBA, Universidade Federal da Bahia, o game independente foi lançado no primeiro semestre de 2018, abordando assuntos até então pouco explorados no entretenimento digital, como a questão da identidade de gênero e a transgeneridade como elemento central da trama.

Na pele Bia, apresentada como uma adolescente trans do ensino médio que se muda para uma nova cidade, o jogador precisa tomar decisões em meio aos problemas dessa complexa fase da vida e os muitos preconceitos enfrentados pela protagonista por conta de sua condição, que foge a estereótipos sociais.

Como observou Isabelle Arvers, em texto de 2020 para o DATJournal do Programa de Pós-Graduação em Design da Universidade Anhembi Morumbi, “o jogo pretende divulgar e reconhecer as dificuldades de uma pessoa trans diariamente. A ideia é também mostrar que essas pessoas possuem uma vida normal e mudar a forma como a população se comporta”, enfatizou a pesquisadora.

A personagem central, Bia, “tem paixão por desenhar roupas e um humor sarcástico, e convive principalmente com pessoas do meio familiar e da escola”, relatou Luiz Ricardo de Barros Silva, no site Game Repórter, em artigo online de novembro de 2020.

Como resultado deste empenho, o estúdio começou a ver movimentações em favor da cultura da diversidade nos jogos, por meio de ações de grupos corporativos e iniciativas de grupos de interesse, a exemplo do projeto (in)visible Games, da empresa Game e Arte, conduzida pelos profissionais Tainá Felix e Jaderson Sousa.

É Tainá quem conta que, a partir do lançamento de A Nova Califórnia, adaptação de um conto homônimo da literatura brasileira, de Lima Barreto, em 2017, o time passou a nutrir interesse em contar as histórias de grupos menos favorecidos e “histórias da quebrada”. “Desde então, nossa preocupação tem se direcionado para pautas relacionadas aos corpos invisíveis. Corpos que, assim como nós (certamente ainda mais), tem suas vozes caladas. Corpos oprimidos”, escreveu.

“As obras de PugCorn são desenvolvidas por Igor Odi, Stella Lage, Daniel Carvalho e Mariana Souto”, afirmou Tainá, pontuando que o game Florescer foi “construído durante o período de estudos”. “Segundo Mariana Souto, o jogo foi construído com base em um emaranhado de histórias contadas por moradoras da Casa Florescer, na época, com a intenção de tocar jogadorxs com relação às questões enfrentadas por estes grupos”, comunicou a mentora da Game e Arte.

Outras frentes também surgiram, dando voz e visibilidade ao tema sensível do game e ao próprio projeto, como o Big Diversity, a 1ª Mostra de Jogos da Diversidade do renomado evento brasileiro BIG Festival, de 2018, com a exibição de seis jogos, “sendo três brasileiros, presentes nas últimas duas edições do BIG Festival, 2017 e 2018, dois selecionados pelo Games4Diversity e o game resultante da primeira edição do Big Mix Jam 4Diversity”, publicou o site Mix Brasil.

Os jogos disponíveis na Mostra BIG Diversity, integrante do 26º Festival Mix Brasil, foram: Unsighted, do Studio Pixel Punk, Florescer, do estúdio PugCorn, Dandara, do Long Hat House Studio, Herald, do Wispfire, e Fragments of Him, do Sassybot Studios.

Também o NEXT Exhibit, mostra do celebrado evento PAX Austrália, selecionou Florescer como um digno representante da cultura brasileira da diversidade cultural, como publicou Amanda Yeo, em artigo do site internacional Junkee, em novembro de 2018.

“Longe dos caras do ‘Hype’ e da agitação do salão de exposições, seis pequenos jogos foram alinhados no saguão, bem espaçados em frente a bancos baixos e almofadados. Este era o NEXT Exhibit, um refúgio tranquilo em meio à exuberância [do PAX]”, descreveu Yeo, ressaltando que a curadora da exposição, Ally McLean, buscava exatamente oferecer um tempo suspenso para a apreciação e imersão do público nos games selecionados.

Entre os games de países como Canadá e Reino Unido, Florescer exibia sua experiência narrativa. “Tendo recebido quase 100 respostas ao convite aberto à apresentação de candidaturas, o júri teve de ser muito seletivo na escolha dos jogos apresentados”, registrou a jornalista do Junkee.

O público também teve algumas oportunidades de conferir o game em eventos das unidades do Sesc SP, voltados à cultura da diversidade.

Ficha Técnica

  • Data de lançamento: 2018
  • Desenvolvedor: PugCorn
  • Dispositivo/Console: PC
  • Gênero: Serious Game
  • Número de jogadores: 1 jogador
  • Este texto foi adaptado do artigo original sobre o game, presente no livro “Indie Brasilis: Catálogo de Games Nacionais – De Aventuras na Selva [1981] à sua versão mobile [2024], que deu origem a esse projeto.

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