É isso mesmo o que você leu: não há literatura sobre a história da produção de games brasileiros, de seus processos, motivações, dificuldades, das ideias originais ou receptividade dos jogos no mercado.
Isso acontece por que, como grande parte da cultura popular no país, não há registro de nossas memórias, pois esses temas são tidos como coisa cotidiana e sem valor histórico; até que o tempo passe, e a gente perceba que eles erram importantes.
Como enfatizou a docente e pesquisadora Lynn Alves, no livro Video Games Around the World, escrito e editado em 2015 pelo autor estadunidense Mark J. P. Wolf, professor e coordenador do departamento de comunicação na Universidade Concordia, em Wisconsin, nos EUA, “é difícil reconstruir a história de desenvolvimento de jogos no Brasil porque há muito pouco escrito sobre o assunto”.
Mesmo com o crescimento de eventos de games nacionais pelo país, dos ‘medalhões’, como Gamescom Latam e Brasil Game Show, até as ações de associações regionais de desenvolvedores de jogos, não costuma haver uma produção que concentre as informações sobre os estúdios participantes, dos integrantes destes desenvolvedores ou do contexto em que se deu a realização destes encontros, o que torna perene a passagem destes eventos, que se somam como ‘mais um’, sem relevância documental ou histórica. As próprias associações de desenvolvedores e/ou de empresas não guardam registros de sua própria história, vitórias e derrotas.
“[Não há notícias, hoje, sobre o Jogo do Mensalão] porque a gente sempre encontrava pouca informação sobre qualquer jogo [brasileiro, naquele período]”, relatou Renato Degiovani no capítulo sobre o seu game mais famoso – que retratava um conturbado período político de meados dos anos 2000 – quando perguntado sobre o assunto pelo coautor do livro, Kao Tokio.
A ausência de registros documentais sobre a criação de games brasileiros é, de fato, uma questão crônica que atravessa décadas, o que não significa que não haja livros sobre game design nacional.
Obras como Game Design – Modelos de Negócios e Processos Criativos, de Vicente Martin Mastrocola, 1983: O Ano dos Videogames no Brasil e 1984: A Febre dos Videogames Continua, de Marcus Garrett, ou Artes do Videogame, de Jesus de Paula Assis, trazem em alguma medida informações sobre a produção nacional, mas não se dedicam ao aprofundamento destas questões, dedicando-se mais a assuntos gerais sobre o mercado de consoles, os processos de criação de jogos ou temas similares.
Mesmo Game Brasilis, publicação de 2003 do Senac SP, que trazia informações sobre 32 jogos digitais brasileiros, detinha-se em informações técnicas sobre o estúdio desenvolvedor, sinopse e ano de lançamento, de forma bastante sucinta.
Além disso, a grande maioria dos registros existentes focam essencialmente no lado hardware do mercado, nos consoles ou simplesmente na experiência gamer mas quase nunca nos games genuinamente nacionais e principalmente nos heróis anônimos dessas jornadas: os desenvolvedores. Sem história não temos heróis e sem eles não temos exemplos a nos inspirar.
Todos esses motivos levaram os autores Renato e Kao à produção de Indie Brasilis, como forma de resgatar o que ainda resta de memória histórica sobre o processo de criação de jogos feitos por equipes brasileiras, conteúdo cada vez mais raro de se encontrar no âmbito digital e ainda mais raro no campo presencial.
Se até aqui não existiu um projeto para consolidar dados sobre o game design genuinamente nacional e seus criadores, o Indie Brasilis vem buscar alguma reparação histórica dessa questão.
Para tanto, contamos com a particioação [e a memória] dos game designers do país.
Sempre é tempo de começar.